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A MOTIVAÇÃO DOS ATOS ADMINISTRATIVOS NO ÂMBITO MILITAR

A motivação dos atos administrativos no âmbito militar

Em que pese o Poder Judiciário não poder ingressar no mérito do ato administrativo para revisá-lo, embasado em critérios de conveniência e oportunidade, desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, o poder discricionário da administração pública vem sendo mitigado pelos princípios da moralidade pública, da motivação, da razoabilidade e da proporcionalidade, postulados que devem sempre pautar os atos administrativos.

Assim, o texto constitucional não mais permite uma discricionariedade absoluta, porquanto os atos da Administração Pública, antes de atender aos critérios de conveniência e oportunidade, devem estar conformes com os citados princípios constitucionais.

Hely Lopes Meirelles nos ensina

“[...] Ora, se ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei, claro está que todo ato do Poder Público deve trazer consigo a demonstração de sua base legal e de seu motivo. Assim como todo cidadão, para ser acolhido na sociedade, há de provar sua identidade, o ato administrativo, para ser bem recebido pelos cidadãos, deve patentear sua legalidade, vale dizer sua identidade com a lei. Desconhecida ou ignorada sua legitimidade, o ato da autoridade provocará sempre suspeitas e resistências, facilmente arredáveis pela motivação.” (Direito Administrativo Brasileiro. 29ª ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 98)

Podemos dizer que o princípio da motivação, ou melhor, o princípio da obrigatoriedade da motivação dos atos administrativos está estritamente ligado ao princípio da legalidade. Relembra-se que a atividade administrativa é instrumento da aplicação da lei e realização dos interesses públicos, vedando, por consequência, atuação à margem ou contra a lei.

Nesse contexto, são nulas todas as decisões administrativas que não analisam as questões fáticas apresentadas, culminando com a respectiva invalidação dos respectivos atos decorrentes.

O princípio da motivação encontra embasamento constitucional no artigo , inciso II e parágrafo único daConstituição Federal, respeitantes à valoração da cidadania e à soberania popular. Ainda, os fundamentos decorrentes destes; como, por exemplo, o artigo 5º, XXXIII, XXXIV, b, e LXXII, atinentes ao direito de informação sobre dados e registros administrativos, que reforçam a ideia de dever de publicidade para propiciamento de controle da gestão pública.

No mais, relaciona o caput do artigo 37 da CF, relativo ao dever administrativo de publicidade, e o artigo 93IX e X, por aplicação analógica dos seus termos. Não bastasse aConstituição ter vinculado a atividade administrativa à motivação de seus atos administrativos, a Lei nº 9.784/1999, foi expressa, ao tratar desse princípio no artigo caput.Além disso, o mesmo diploma legal faz menção a esse princípio no artigo 50.

Não se ignora que as relações no âmbito militar se baseia nos postulados da hierarquia, guardando uma relação de subordinação peculiar, todavia, não se pode olvidar que qualquer ato que extrapole o limite da razoabilidade causando dano, ainda que no âmbito das relações militares, merece ser revisto.

A peculiaridade da sociedade militar é uma realidade insofismável. A própria Constituição assim lhe apresenta, lastreada na disciplina e na hierarquia, que constituem a essência das Forças Armadas. Entretanto, mesmo peculiar, a Instituição Exército Brasileiro integra a Administração Pública como um todo, obedecendo e cumprindo as leis e aConstituição Federal.

Nesse sentido:

ADMINISTRATIVO. MILITAR. PROMOÇÃO. POSTO DE SEGUNDO-TENENTE. QUADRO DE ACESSO POR MERECIMENTO. PUNIÇÕES CANCELADAS CONSIDERADAS PARA O INDEFERIMENTO DO PEDIDO. IMPOSSIBILIDADE. MOTIVAÇÃO INVÁLIDA. ATO NULO. INCOMPETÊNCIA DA AUTORIDADE QUE EFETIVOU OS CANCELAMENTOS. INOCORRÊNCIA. INFRAÇÕES QUE NÃO ATINGIRAM O PUNDONOR MILITAR. VIOLAÇÃO AOS PRECEITOS ÉTICOS, AOS DEVERES E ÀS OBRIGAÇÕES MILITARES. DANOS MORAIS. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. HONORÁRIOS. [...] 4. O motivo é um dos elementos do ato administrativo, é o pressuposto de fato e de direito que serve de fundamento ao ato praticado pela Administração. Dentro desse tema, encontra-se a Teoria dos Motivos Determinantes, segundo a qual a validade do ato se vincula aos motivos indicados como seu fundamento, de modo que, se inexistentes ou falsos os motivos indicados, o ato é nulo. Inclusive, essa mesma teoria prescreve que, mesmo quando a lei não exige a motivação, o ato somente será válido se os motivos indicados pela autoridade forem verdadeiros. 5. Ao Poder Judiciário cabe analisar se os motivos elencados pela Administração para a prática de determinado ato são, de fato, verdadeiros, porquanto essa tarefa se coaduna com a apreciação da legalidade do ato e, portanto, passível de análise pelo Judiciário. [...] 12. Por se tratar de infração tão severa - a que atinge o pundonor militar, a honra pessoal e o decoro da classe -, que pode gerar até mesmo a ruptura do vínculo com o Exército, as penalidades dela decorrentes devem ser bem fundamentadas e bastante claras, além de indicar expressamente a infração a tais elementos, ante a necessidade de embasar a defesa da parte prejudicada. 13. O art. 14, "caput", do Decreto nº4346/2002, substituto do Decreto nº 90608/84, esclareceu que nem toda transgressão disciplinar é atentatória à honra pessoal, ao pundonor militar e ao decoro da classe. [...] 17. Considerando que as penalidades canceladas não poderiam, de forma alguma, ter obstado tal promoção e que esta foi indeferida apenas com base nelas, há que se reconhecer que o postulante preencheu todos os requisitos exigidos pelas normas de regência e, por isso, tem direito à pretendida promoção ao posto de Segundo-Tenente do Quadro Auxiliar de Oficiais, em ressarcimento de preterição, desde junho de 2010, [...] (AC 08012523820124058300, Desembargador Federal José Maria Lucena, TRF5 - Primeira Turma.)

O que nos parece importante ressaltar é que o dever de motivar não constitui um mero constrangimento moral do administrador ou uma liberdade a que ele condescendentemente acende em observar. A motivação do ato administrativo é uma imposição que decorre do próprio sistema jurídico, e, em especial, do sistema constitucional.

Portanto, a supremacia do interesse público sobre o particular e, no âmbito militar, a manutenção dos princípios da hierarquia e da disciplina, não pode ser assegurada colocando de lado os princípios básicos do Estado de Direito.

 

Laís Jalil Gubiani (OAB/RS 79667)